quinta-feira, agosto 31, 2006

O livro que tenho agora lá em casa.



A Perfeição

O que me tranquiliza
é que tudo o que existe,

existe com uma precisão absoluta.
O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete
não transborda nem uma fração de milímetro
além do tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande exatidão.
Pena é que a maior parte do que existe
com essa exatidão
nos é tecnicamente invisível.
O bom é que a verdade chega a nós
como um sentido secreto das coisas.
Nós terminamos adivinhando, confusos,
a perfeição.

Clarice Lispector
Por recomendação de um brasileiro, e na perspectiva de troca de culturas, vou começar a ler um livro de Clarice Lispector, "Laços de Familia". A edição portuguesa deste livro de contos tem prefácio de Lìdia Jorge que nos confidencia que chegou ao conhecimento desta autora através de uma sugestão de Virgílio Ferreira.
Achei piada pois este foi um dos autores que recomendei primeiramente a este brasileiro.
Ainda só li o prefácio e várias críticas e biografias da autora. Acho que se adivinha umas boas horas de prazeirosa leitura. Darei noticias sobre isso mais tarde.

quarta-feira, agosto 30, 2006

Os cortes de cabelo e outras coisas que demais...


Lembrei-me de cortar o cabelo, como acontece umas quantas vezes por ano, porque o tédio de olhar no espelho e ver-me com um ar sempre igual lembra-me que existem outras possibilidades.
Então chegas com um ar inseguro, sentas-te e desfolhas as revistas da moda enquanto vozes de mulher se misturam com o bafo quente do secador, e em instantes perdes-te no mundo irreal do “Será que me ficava bem este”, e a verdadeira história da vizinha do lado que se meteu com o outro da porta da frente.
A verdade é, cabelos demasiados compridos estão “démodé”, são resquícios de outros tempos em que se faziam longas tranças e apanhados. Não, ninguém tem mais paciência para os deixar crescer.
Os cabelos curtos são mais actuais. Se bem escolhido pode dar à mulher um ar mais seguro de si, mais autónomo. Acho que também ainda umas ideias vindas da altura da emancipação da mulher.
Pareceram-me a melhor opção. Entre o mundo de cortes, de cores, a direito, escadeado, esfarrapado, sei lá qual escolher!
O corte curto, direito, clássico, anos vinte...
Parece que o brilho das coisas nas revistas nos enchem os olhos, e depois, depois do trabalho feito olhas no espelho e pensas: “Mas que bela porcaria foi eu fazer!”
Mas o cabelo cresce. O tempo passa, a imagem do espelho volta a incomodar-nos e nós voltamos a sentar-nos naquele banco de cabeleireiro, voltamos a confundir a realidade com o brilho do corte de cabelo dos outros e voltamos a fazer asneira outra vez.
E nós a mulheres fazemos isso enumeráveis vezes com tudo o que achamos que pode fazer da nossa imagem única e pessoal. No fim conseguimos apenas ser iguais às outras todas.
Quantas peças de roupa já comprei que depois não vesti, mas na loja pareciam lindas. E os brincos, as malas, os sapatos e todas as demais futilidades que encontramos para usar.
Triste sina. Era bem mais fácil ser-se simplesmente simples. Entrar e pedir: “Corte-me o cabelo, simples a direito.” Sair simplesmente de lá e olhar no espelho e pensar: “Não é nada de especial, mais simples não podia ser. Não fica bem nem mal.”
Mas o raio das revistas têm de lá estar. E lá começa a imaginação a correr e no fim fazemos trapalhada, compramos a roupa errada, maquilhamo-nos demais. E a nossa imagem, aquela que queríamos que fosse pessoal e intransmissível, aquele que havia de marcar a diferença só por si e apenas igual ao da moça da mesa ao lado no café.
Também é verdade que o nosso eu não é aquilo que se vê... Mas o que se vê é uma parte desse eu.
Por isso mais vale simples, a direito, na cor natural e sem enfeites nem artifícios. Porque assim não fica bem, mas também não fica mal...

segunda-feira, agosto 28, 2006

Sozinha em casa...



Aqui estou eu, pela primeira vez realmente sozinha em casa.
Tenho única e exclusivamente a miss Mia Wallace como companhia, esta gata mimadinha e cheia de manhas que me espera todos os dias em cima da sapateira e que reclama constantemente a minha atenção.
De resto são só paredes, as minhas paredes. Os meus objectos, o meu tempo só comigo.
Nem sempre é fácil, há momentos em que não sei o que fazer, em que sinto saudades da minha companhia, outros em que a inércia se apodera de mim e desespero. Há outros momentos ainda que me sinto realmente bem. Sinto como que preenchido este espaço, sinto-o preenchido por mim.
Sinto que posso fazer o que me apetecer, posso viver um pouco só dentro do meu mundo porque não está aqui ninguém para ver, ninguém para achar que eu sou uma lunática, ninguém que sinta que eu estou realmente a leste do mundo.
Por isso posso ficar por aqui mesmo a divagar, a construir castelos, cenários e irreais, posso ficar aqui no escuro a viver outras vidas, ninguém vai notar.
A solidão sempre me assusta, vazios, silêncios. Parece que eles vêm para nos assombrar e que no meio deles vem todos os nossos males, e que no meio deles a única coisa que conseguimos ver são os problemas. Tenho medo dos barulhos que ouço de noite, das sombras que se passeiam nas janelas, tenho medo de por os pés no chão para me levantar da cama...
Mas depois de afastar as assombrações sinto-me tão segura, tão leve dentro do meu ninho, tão no meu mundo que nada poderia ser melhor do que este silêncio que perdura. Do que esta ausência de palavras, de discurso, de sons. Não preciso de falar comigo. E gosto do silêncio, gosto cada vez mais dele.
Acho mesmo que cada ser humano havia de guardar para si uns momentos de cada dia para se dedicar ao silêncio, o mundo seria melhor. Talvez a gente se consiga conhecer melhor assim...
Sinto falta da minha companhia, muita. Mas vou continuar por mais uns dias em casa sozinha, com a minha Mia, com as minhas paredes e com as minhas fantasias. Espero pelos dias em a minha casa se encha de sons e de palavras e eu deixe finalmente de estar sozinha e o silêncio não seja perpétuo e eu tenha de o procurar, e eu sinta falta dele. Ai o silêncio deixará de imposto e será ainda melhor quando ele acontecer...

quinta-feira, agosto 24, 2006

Estas decisões que a gente de vez enquando devia tomar....




Devia deixar de fumar, ou melhor tenho de deixar de fumar a bem da minha saúde geral.
Mas sempre que me ponho a ponderar sobre o assunto, sempre que já tenho estruturada a estratégia a utilizar, dentro da minha cabeça algo de errado se passa e toda a minha certeza de conseguir, toda a minha força de vontade se vai. Porque é só mais este maço, porque não pode ser agora e que tal programar isso só para a semana...
A verdade é que esta é uma ideia que já vem a ser amadurecida na minha mente, mas que eu tenho inconscientemente ignorado.
Quero mesmo deixar de fumar, basta levantar-me amanha e não o fazer. Basta querer mesmo, ter força e não me deixar levar pelo que sabe bem.
Mas não fazemos o contrário todos os dias?
Era melhor dormir mais umas horas porque íamos acordar mais lúcidos e enérgicos, mas acabamos sempre por nos demorar na esplanada do café ou por ficar a ver até ao fim aquele filme que dá na televisão.
Devíamos comer coisas saudáveis mas acabamos sempre por dar uma “facadinha” na dieta, devíamos fazer exercício mas acabamos sempre por não resistir ao sofá.
Devíamos isto, devíamos aquilo. E se nos deixarmos obcecar pelo que devíamos fazer e nunca fazemos deixaríamos de viver, pelo menos de ter prazer em viver.
No entanto, se fizéssemos todas essas coisas viveríamos certamente mais tempo, talvez sem tanto prazer mas com toda a certeza com menos sofrimento no final.
Há dias que acordo cheia de vontade de me renovar, chego mesmo a acreditar que o vou fazer, claro que me esqueço que não estou numa ilha isolada em que apenas me posso ouvir.
Acho que o meu problema é mesmo todo o ruído que existe à minha volta, que existe no mundo em geral. Não o suporto por vezes, mas também não consigo viver sem ele.
Penso que ainda me falta tempo, ainda me falta um pedaço de caminho para a feliz coexistência comigo mesma. Hoje já me aguento melhor, já aguento os momentos de solidão, já os aprecio. Já não desespero quando a minha única companhia sou eu mesma.
Quando percorrer esse caminho talvez o ruído exterior seja menos, ou pelo menos tenha menos influência em mim.
Talvez ai, todas as essas coisas que devia fazer para meu bem deixem de ser sacrifícios, quebras de prazer e passem a ser elas o prazer. O prazer de fazer sempre o melhor para nós, de conviver da maneira mais correcta com o nosso corpo e com a nossa mente.
Tenho esperança de ainda conseguir pensar e fazer e deixar-me de imaginar cenários e concretiza-los.
Parece-me bem que ainda não é agora que deixo de fumar e começo a viver de uma maneira mais saudável, mas está para breve...

terça-feira, agosto 22, 2006

este dia quente


Hoje está um dia quente com um calor que nos leva à exaustão. Aquele calor que nos faz sono e nenhuma actividade parece ser importante o suficiente para nos obrigar a empreender qualquer tipo de movimento.
È estranho, nos últimos dias choveu. Pensei de ter trazido a chuva comigo de Berlim, pensei que não ia ter mais direito ao verão. Mas parece-me que apenas me foi recusado o direito a férias com dias quentes e de sol.
Estou para aqui entre esta imensidão de paredes, de tectos abertos para o céu, de corredores sem fim como um labirinto escuro, e claro ao mesmo tempo. Estou para aqui a pensar no que hei-de fazer.
E sinto esta impressão de que me apetecia tudo menos estar por aqui.
Apetecia-me andar de pés descalços, correr pelos campos de erva molhada. Apetecia-me ser embalada por sopros de vento quente daquele que enrola as saias nas nossas pernas. Apetecia-me esquecer-me de mim e percorrer o mundo e não ter de estar aqui nem em nenhum lado.
Porque quanto mais procuramos a liberdade, mais presos ficamos aquilo que fazemos para a encontrar... Aqui estou eu, presa à vontade de fazer algo diferente, algo que me liberte...

segunda-feira, agosto 21, 2006

O cheiro da terra molhada....


Quando o sol desponta a seguir a uma grande chuvada o que sobra da tempestade é a terra molhada.
Os dias de chuva fazem-me sentir nostálgica, e o cheiro da terra molhada transporta-me para outros tempos. Cria em mim um mapa de sensações que anseio por percorrer. Mas esse mapa fica perdido no quotidiano, no meu dia a dia.
Quando chove, e nada mais há para fazer a não ser contemplar o mundo molhado através da janela, inicio de novo essa viagem através deste meu mundo imaginário que está traçado nesse mapa posto a descoberto pelos dias mornos do Outono.
Aqui pretendo só ir traçando esse mapa na expectativa de não o perder, de ele não se apagar com o tempo. O que penso é resultado desses caminhos, e tenho a certeza que eles me vão levar a algum lado…
O cheiro da terra molhada é mesmo isso, uma procura de significado para os meus pensamentos, uma maneira de os guardar e de os partilhar com o mundo. Mesmo que esse mundo seja incerto de desconhecido…