terça-feira, julho 28, 2015

O cansaço...

O cansaço dos dias acumulando-se nos pés.
As noites pouco dormidas
Os dias corridos e acabados no limite da fé.
O cansaço destas vidas.

Os dias que não podem ser um qualquer dia
Essa ilusão de significado
Das horas, de estimulo perpétuo
O cansaço acumulado sobre essa ideia de alegria.

E o vazio do cansaço, que não nos deixa sossegar
A negação da procrastinação
A repulsa do inútil, do tempo perdido a pensar
O cansaço vivido na negação.

Um dia que é um dia qualquer
O cansaço assim sendo desperdiçado
E nós gastando a vida sem saber....
Um dia que não foi O dia... acabado.







quarta-feira, julho 08, 2015

Os tempos que vivemos...


O meu pai sempre me disse que a geração dele tinha sido privilegiada pelos tempos.

Nascido em 1942 era ainda um bebé de fraldas quando acabou a segunda guerra mundial. Caminhou descalço para a escola e viu o advento da televisão, primeiro a preto e branco no café da terra e depois a cores e depois na casa de todos.

Viu os carros a começar a circular pelas estradas esburacadas de macadame e os aviões a aterrar quando viajar era um luxo impensável.

Passou da salgadeira para os frigoríficos, do tanque para as maquinas de lavar, das cabanas para as casas compradas pelo banco e vendidas, 20 anos depois, pelo triplo.

O meu pai viu o mundo prosperar. E há duas décadas que me diz que isto vai rebentar. Sempre me disse, "Ângela, nunca o mundo viveu tantos anos de paz,"

Eu sempre tive mais em que pensar...

***


Um dia destes, numa manhã calma de semana entra-me duas clientes, munidas de mala Louis Vuitton e um aparato de indumentária digna de um qualquer vídeoclipp de Rap dos States. Entram-me pela loja e gastam em 15 minutos 1800€ em 6 garrafas de vinho. Pagam em notas lambidas à minha frente. 

Acho bem. Eu só tenho trabalho porque há pessoas que podem gastar dinheiro à bruta em coisas sem sentido.

Não é isso que me choca. O que me choca é que haja quem beba ao almoço garrafas de vinho que custam metade do meu ordenado como se fosse um copo de água, e que as comprem à dúzia com a mesma displicência com que eu vou ao supermercado comprar um pack de cervejas. Com menos, que eu regateio nas prateleiras o preço.

A riqueza extrema não me afeta per si. O que a torna obscena é a pobreza de todos os outros. É a sua existência isolada e principalmente o fosso, sem ponte, que existe entre os que tem demais e os que cada vez têm menos.

As minha ideias de esquerda perderam-se há muito. Percebi ao longo dos anos que o cool de ser de esquerda se esgota na discussão dos costumes, Sou de esquerda sempre que se fala em aborto, em legalização de drogas ou de qualquer tipo de escolha pessoal. A minha geração não tinha mais pelo que lutar e essas foram as nossas lutas. As propinas, os charros e outras quantas liberdades sociais.
Mas quando cresces, pagas impostos, e vês as merdas que por ai acontecem endureces um pouco a forma de encarar o dito estado social.
No entanto, quando alguém gasta em 6 garrafas de vinho aquilo que eu valho em 3 meses de trabalho algum desse espirito reacionário acorda, porra, que mundo é este?!

***

Hoje na rádio ouvi que regredimos em termos de poder de compra 25 anos, estávamos ao nível de 1990.

O terrível que é andar para trás... lembro da emoção da entrada do euro em 2001. Do admirável mundo novo e de toda a minha adolescência completamente despreocupada em relação ao dinheiro. O melhor estava para vir. Desde que pude trabalhei no Verão, assim que pude fui autônoma e sempre me sustentei com vagar.

E hoje, 14 anos depois sou muito menos capaz de o fazer do que quanto tinha 17...

*** 

A meio dos anos 2000 participei em intercâmbios, viajei. Eramos cidadãos Europeus - outro admirável mundo novo.

Conectávamos com os outros, com culturas e modos de vida. A multiculturalidade demandava que socializássemos com pessoas diferentes. Com os muçulmanos da Turquia que queriam entrar da mesma forma que socializamos com a malta mais barulhenta da Europa que vinha de Itália ou com os soldadinhos de chumbo da Polônia. Desfazer estes esterótipos era a ordem  do dia e dos milhares de euros gastos nas férias pagas.
E desfizemos. Arranjamos amigos para a vida, sentimos-se próximos.

E como nos sentimos agora que queremos expulsar os Gregos?
Que vamos sentir quando decidirem nos expulsar a nós?

Que sentimos realmente em relação a isto tudo?

Mal leio noticias, não percebo nada de mercados de divida e cada vez me esforço mais para manter a minha mente num qualquer nível avançado de ignorância.

Mas deu-me vontade de chorar quando recebi o alerta do voto maioritário no Não na Grécia no telemóvel. Não porque discorde deles... mas porque lhes entendo a dimensão histórica. Porque um dia nos havemos de lembrar desse momento.

Não vejo televisão, não compro jornais e leio de enviesado as Newsletters que recebo.
Nunca pensei, em algum momento da minha vida - acadêmica até - ter medo das noticias.
As noticias, a verdade. Um dia achei que ia fazer mesmo isso....

O melhor afinal já tinha passado.

***


O fosso entre os pobres e ricos é estrutural, Nunca antes na história ele despareceu realmente. Talvez nos anos pós-guerra nuns Estados Unidos a florescer no baby boom e no sonho americano, da casa com alpendre e balouço oscilando ao sol enquanto espera o Ford que há-de chegar do trabalho.

Não me queixo dessa ilusão. A minha educação burguesa preparou-se para trabalhar. Nunca faltou nada, sempre fui privilegiada - e continuo a ser das mais variadas formas - mas sempre soube que isso tinha contrapartidas.

A unica coisa que me queixo a sério desta vida, não é o quanto trabalho, mas o tão pouco o meu trabalho vale.

Mais valia termos sido sempre pobres.

Uma vez que vimos a beleza, nada do que é feio nos basta...

Há dias, que nem o mito de Sísifo nos consola...